Sair da gaveta
- comidadegrilo
- 19 de ago. de 2017
- 4 min de leitura
Quem achava que a parte mais difícil de ser vegetariano era nunca mais comer um bife suculento é porque ainda não saiu da gaveta!

Olá grilos! Hoje venho falar-vos da maior dificuldade em ser vegetariano. Como já deve ter dado para perceber pelo título, o maior drama é... assumirmo-nos!
A parte que achávamos difícil já está dominada. Estamos felizes no nosso cantinho a comer as nossas refeições deliciosas, orgulhosos do que alcançámos e impressionados com a facilidade com que o fizemos. Eis senão quando aparece um convite para ir comer fora! "Não é problema!" pensamos nós "Se não houver opção vegetariana como uma sopa e umas batatas com arroz e salada. Não será um manjar dos deuses mas ainda dá para encher a barriga.". Aceitamos o convite e vamos, inocentemente, sem saber o que nos espera.
Os grilos assumidos já sabem o que vai acontecer a seguir.
Ao fazermos o pedido alguém estranha a nossa escolha e questiona-nos o motivo da mesma. Caso tenhamos a sorte de saltar esta etapa, há sempre alguém que, ao comer o que pediu, diz "Ah, isto está tão bom! Não queres provar?" e mesmo após recusarmos educada e delicadamente a pessoa insite "Oh, anda lá! Prova só um bocadinho!" e já vai ali, a meio caminho de talher cheio para despejar uma grande garfada no nosso prato, quando dizemos demasiadamente nervosos "NÃÃÃÃÃO!". Toda a mesa pára e olha para nós. Todos procuram uma explicação. Sabemos que chegou o momento, que não podemos adiar mais. Dizemos que somos vegetarianos.
Preparem-se! Quem achava que não havia pior interrogatório que o de uma mãe após lhe dizermos que vamos sair ("Onde vais?", "Vais com quem?", "A que horas voltas?" e os restantes clássicos) nunca viveu este momento.
Começa todo um bombardeamento de perguntas e comentários, alguns de real interesse por parte das pessoas, outros só de mau gosto, cujas respostas levam a novas perguntas e comentários entrando-se assim num ciclo aparentemente infinito em que levamos tanta pancada verbal que precisamos de uma pausa para recuperar as forças. Este ciclo só acaba quando, após respondermos educadamente a cada questão, alguém se lembra de dizer que só sabemos esfregar as nossas convicções nas suas caras e para os deixarmos comer o que bem quiserem em paz, sendo inútil respondermos que nem fomos nós que trouxemos o tema a discussão (e que tudo o que queríamos era exactamente o mesmo - deixarem-nos comer o que queremos em paz) pois isso leva sempre ao argumento que a outra pessoa tem razão pois "estamos a insistir na continuidade da discussão".
A partir daí apercebemo-nos que há um padrão e que em cada grupo as perguntas que constituem o nosso interrogatório se distribuem por quatro tipos de pessoas:
O CURIOSO DOS ENTÃOS
Esta pessoa, por norma, é a mais educada do grupo e que simplesmente sofre de uma curiosidade imensa. O seu dever é registar uma lista mental de todos os produtos que comemos ou não. As suas perguntas são fáceis, objectivas e não chateiam ninguém (embora dêem vontade dum facepalm gigante) e começam sempre por "então".
"Então e peixe?"
"Então e leite?"
"Então e ovos?"
"Então mas podes comer sobremesas?!"
"Então não bebes alcóol, não é?"
"Então mas o que é que tu comes?"
O "CONDICIONALISTA"
Esta pessoa é a criativa do grupo e gosta de criar cenários surreais ou exagerados na esperança que a nossa resposta leve a um "AHA! Então não és vegetariano/a!". Gosta muito da palavra "se".
"Se estiveres numa ilha deserta e só te puderes salvar se comeres um animal, comias?"
"Se te dessem um milhão de euros se comesses um hambúrguer, comias?"
"Se estivesse uma pessoa e um animal à beira dum precipício e só pudesses salvar um, qual salvarias?"
"E se pisares um insecto? Mataste um animal, não podes ser vegetariano!"
O NUTRICIONISTA
Não importa se esta pessoa bebe banha de porco à refeição porque viu num blog que a a água engorda, a partir deste momento, no que toca a nutrição, ela é uma verdadeira erudita.
"Então e a proteína?! É super importante!"
"Mas tu precisas de carne e peixe!"
"Tu comes maioritariamente hidratos?! Que atentado!"
"Até houve um caso de um que foi para o hospital e morreu por ser vegan!"
O ENGRAÇADINHO
Sabem aquela típica personagem dos filmes e séries que é um pai que acha tem imensa piada, só que não, e acaba por humilhar os filhos? Esta pessoa tem esse preciso talento.
"Eu também não como carne... desde o almoço."
"Estou a acompanhar a picanha com alface, vês? É quase um prato vegetariano!"
"Os vegetarianos comem a comida dos animais, privando-os desta e a causando-lhes mais sofrimento."
"Podes comer o bife! O animal já está morto, não vai sentir nada!"
"Então e as plantas? Também têm sentimentos! Olha a batata a gritar enquanto a cortas, tu é que não a ouves!"
"Eu também gosto muito de animais, especialmente no grelhador!"
E esta lista é só uma pequena amostra das coisas que ouvimos quando saímos da gaveta, pois garantidamente "o engrançadinho" vai falar do ciclo da vida e comparar-nos aos leões e "o curioso dos entãos" vai evoluir para perguntas mais complexas do género como será quando tivermos filhos.
Portanto, para os novos grilos, coragem! Já têm aqui um cheirinho do que vos espera para se preparem psicologicamente. Para os nossos comedores de larvas, imaginem o que é tudo isto quando só querem comer descansados. Sei que a curiosidade por vezes fala mais alto e na verdade a maioria dos grilos não se ofende com perguntas, desde que sejam sempre feitas com respeito! Mas há um lugar e momento para tudo. O meu conselho é se querem realmente saber mais sobre o vegetarianismo falem com a pessoa a sós, de modo a que esta vos possa esclarecer todas as dúvidas calmamente. É difícil ter uma opinião diferente do resto das pessoas e estar sozinho "contra" um grupo. Para os grilos, se querem comer descansados peçam às pessoas que falem convosco mais tarde, após a refeição. Com sort
e algumas irão esquecer-se e escaparão a mais um interrogatório!